5 de fev. de 2007

A imagem sem espelho


Eu e minhas amigas de praia sempre nos achávamos gordas.

E de fato, pensando que hoje o 36 é o novo 38, a gente não era assim nenhuma Kate Moss. Talvez tenha sido na minha geração que o padrão de beleza começou a mudar. Agente só queria ir para a praia. Namorar surfistas e andar de biquíni o tempo todo. Que azar o nosso não ter nascido no Rio de Janeiro. Nossos parâmetros de beleza não desfilavam em passarelas. Andavam pelas areias de Venice Beach, de sorriso muito branco, cabelo loiro (de sol) com biquinis amarradinhos, ao lado de um super gato deombros fortes e tatuados, cabelo de...parafina. A gente achava elas e eles lin-dos! E eram. Ainda não existia aqueles músculos de academia. A beleza era natural. Não tinha modelo que a gente admirasse. Moda pra nós eram os novos biquines que apareciam nas praias cariocas a cada verão. Desfiles de estilistas? Pret-a-porter? Paris? Issopoderia interessar à minha mãe, não a mim. As modelos, poucas conhecidas, nos pareciam apenas insuportavelmente brancas. Boas para editoriais de revistas importadas, que , aliás, não nos interessavam em nada. Gostávamos da Pop e depois,da Capricho, da Surfer, da Sports Illustrated, essas coisas. Ser modelo não era um projeto para ninguém que eu conhecia. Algumas meninas bonitinhas chegaram a se dar bem participando de concursos de miss. Teve uma que foi até Miss Mundo! O mais notável não era o fato dela ser linda. A gente achava que ela era inteligente, isso sim. Viajou o mundo todo. Ganhou uma grana, um carro, enfim, tudo o que a gente queria. Eu não me lembro de querer ser ela. Mas aquele carro, lembro bem, como eu queria. Duas ou três vezes, depois de uma comilança adolescente,popularmente conhecida por larica, vomitávamos no banheiro.Eu fiz isso uma vez depois de comer duas toneladas de bala de coco feita em casa. Forcei o vômito. E me senti muito bem depois. Apesar desse momento ter sido para mim um fato isolado, algumas amigas faziam isso com certa frequência. Eu tinha a nítida impressão de que aquilo não devia fazer bem para a saúde.Mas o conceito de saúde era muito diferente do que é hoje. Hoje, se você frequenta obssessivamente uma academia ou é viciado em corrida, se não toma sol e come só salada, você é saudável. Sério? Sério. Pois pra mim saúde é um conceito bem menos aparente. Que acontece em quase 100% dos casos, no interior de nossas cabeças.
Se a cabeça for saudável (o que singifica entre outras coisas não ficar pensando se você tem uma cabeça saudável), você pode se dar conta, por exemplo, que gordura ou beleza é apenas um ponto-de-vista. Se você rasgar suas fotos hoje porque se achou gorda, vai perder a grande oportunidade de amanhã, ao olhar as mesmas fotos, perceber o quanto, na verdade,você estava magra. Anota aí: você sempre está mais magra nas fotos de ontem. E também com mais cabelo e, incrivel, mais jovem. Cabeça saudável desapega. Não fica remoendo fórmulas e ideais. Veja alguém morrendo de rir de si mesmo: uma cabeça saudável mora em cima daquele pescoço. O peso mais incômodo sequer aparece no espelho.É o peso das idéias tortas, da falta de compaixão consigo mesmo, que acaba virando falta de compaixão com os outros. O peso da grosseria, da falta de sutileza, delicadeza, da falta de transparência. São todos pesos que não se registram na balança mas que ficam evidentes para qualquer bom observador.Quando a gente não se quer bem, quando não nos divertimos com nossos próprios pensamentos, não tem dieta que resolva. Faça uma cirurgia plástica de 6 horas de duração, elimine 6 quilos de gordura, rugas e pele frouxa e, ainda assim, é nossa cabeça que está ali. Peço perdão por recorrer a um exemplo tão triste. Mas o peso que a pobre modelo, cuja morte por anorexia, tem movimentado o país numa verdadeira cruzada contra a magreza como padrão de beleza, muito pouco tinha a ver com a SPFW, ou qualquer outra imagem tola que o mundo da moda possa projetar.A pobre garota tinha um peso que transparecia no olhar, não na cintura. Eu tenho a impressão de que andamos perdendo algumas coisas nos últimos tempos.E não foi só peso (o 36 ter virado o novo 38 é insuportável!. Andamos perdendo a própria capacidade de se gostar. De aceitar os limites e falhas que, pensando bem, são exatamente o que nos torna humanos e interessantes. Modelos são deusas. Ou seja, são perfeitas. Não falham. Do alto dos seus 14 anos e saltos 12, podem tudo. E tudo isso só porque são, de um ponto de vista editorial, belas. Isso é um peso pesado demais para corpinhos tão frágeis e auto-estimas tão fracas carregarem.Mulheres, por favor, aceitem o inevitável: nascemos e morremos.De que ponto de vista vamos olhar o que está no meio disso, o que admiramos, que escolhas fazemos, que imagem escolhemos para nós. Aí está a questão.

Tetê Pacheco





Tetê Pacheco: como quase todo publicitário entende quase nada de quase tudo. Ainda assim, trabalhou para o GNT, Rede Globo, deu consultoria criativa para marcas como TIM, Renner e Grendene e, durante alguns anos, foi criadora na W/Brasil, onde ganhou prêmios e a noção de que dessa vida nenhum currículo se leva.




Um comentário:

Quarta-feira do Ano Passado disse...

Gosto de tudo que a TT escreve, concordo com tudo.
Ma minha praia tambem era assim, moda era a maneira que a gente ia inventar de amarar o biquini na quele dia, do avesso, de cabeça pra baixo, a calcinha virar o soutien, o soutinhan virar bracelete. Agora vejo meninas na praia todas com o mesmo biquini da Osklen, o valor da marca, do custo, do status, ai que saco...

o Blog é lindo!
Olivia Byington