O caderno Donna da ZH de hoje está recheado de assuntos de Beleza Real. Pra não ficar chato o plágio, reproduzo aqui um dos textos de Patrícia Rocha. Olha... a matéria toda está muito legal.
“Elas fizeram o que puderam em um mundo estreito”
“Elas fizeram o que puderam em um mundo estreito”
Em entrevista desde a Espanha, a jornalista e escritora Rosa Montero fala por e-mail sobre Histórias de Mulheres e sobre sua própria história.
Donna ZH – No livro, cada mulher é apresentada a partir de uma característica reveladora. Como construiu esses personagens reais?
Rosa Montero – A verdade é que trabalhei estas personagens da mesma maneira com que trabalho meus personagens narrativos, tentando meter-me dentro de suas cabeças, tentando viver aí, em suas vidas, e entender como eram, o que sentiam e o que pensavam. A única diferença é que nas novelas se tem toda a liberdade para inventar o personagem, e, no caso das biografias, fui respeitosa com todos os dados reais. Primeiro documentava exaustivamente e depois tentava entender, a partir de dentro, como se sentiria alguém que tinha aquela vida.
Donna ZH – A senhora revela nuanças pouco conhecidas mesmo de figuras sobre quem tanto já foi escrito, como Simone de Beauvoir e Agatha Christie. Nesse processo de imersão, qual dessas mulheres mais lhe surpreendeu?
Rosa – Todas me parecem enormemente surpreendentes, por isso as coloquei no livro. São histórias fascinantes. Como gosto muito de ler biografias, já sabia que, na maioria das vezes, a imagem pública que se tem de alguém é um tópico e não corresponde à realidade. Assim, creio que por isso não me surpreenderam tanto essas duas que mencionas. Me fascinaram as histórias mais estranhas, como, por exemplo, Laura Riding ou María Lejárraga (respectivamente, a poeta e crítica literária americana e a mulher de um dos mais famosos dramaturgos espanhóis, Gregório Martínez Sierra, que teria sido a autora da obra que leva o nome dele). As duas têm vidas alucinantes e completamente extravagantes.
Donna ZH – Todas as mulheres de seu livro morreram há décadas. Foi uma escolha consciente?Rosa – Sim, fiz de propósito. Quis falar de mulheres já mortas, porque assim a aventura da vida estaria completa e porque creio que todas elas tiveram que enfrentar situações de sexismo infinitamente piores do que há hoje. Algumas delas foram pioneiras, e todas fizeram o que puderam em um mundo muito estreito. Mas, de toda maneira, o livro não é uma coleção de histórias exemplares, minhas mulheres não são todas estupendas – algumas são malvadíssimas e repugnantes como pessoa, como a mãe assassina de Hildegart (Aurora Rodríguez, que matou a tiros a filha escritora, aos 18 anos). Creio que hoje a situação melhorou muito, mas ainda há sexismo entre homens e mulheres.
Donna ZH – Há alguma mulher viva sobre quem a senhora ainda gostaria de escrever?Rosa – Não sou nada mitómana. Admiro pessoas anônimas. Por exemplo, a minha assistente, que aprendeu a ler e escrever aos 50 anos e é uma mulher maravilhosa.
Donna ZH - Que normas as mulheres do século 21 ainda precisam enfrentar?Rosa – Estamos ainda desconstruindo os papéis sexuais, tanto masculinos quanto femininos. Nos anos 1960, depois da pílula, as mulheres acreditavam que era “feminista” e “revolucionário” desdenhar a maternidade, considerá-la um defeito, uma desvantagem. Foi uma etapa de contaminação “machista”, porque a maternidade não é defeito nem desvantagem, mas uma potência maravilhosa, algo poderoso. Não quero dizer que todas as mulheres tenham que ser mães (não sou e nunca quis ser), mas que tivemos que aprender a valorizar nosso próprio ser, porque nos víamos (e ainda nos vemos, em algumas ocasiões) pela perspectiva dominante masculina. Há um caminho a percorrer, tanto para os homens quanto para as mulheres. A chave essencial da liberação das mulheres passa por assumir e respeitar seu próprio desejo e não o dos demais.
Donna ZH - Que mudanças estão sendo motivadas pelos homens? No Brasil, por exemplo, acaba de entrar em vigor a lei da guarda compartilhada, uma conquista de pais separados.
Rosa – A educação compartilhada parece uma conquista para todos. É parte desta desconstrução do sexismo. Se a sociedade mudou tanto no último século é porque os homens mudaram, ou seria impossível. Há até pouco tempo, eles não tinham começado a refletir sobre sua condição, sobre o estereótipo masculino, que escraviza tanto quanto o feminino. Na última década, começou a surgir um pensamento masculino crítico ao papel tradicional do homem, rechaçando o homem sem sentimentos, focado só no trabalho, competitivo... Isso é libertador para todos.
Donna ZH – Que normas a senhora contestou em sua própria vida?
Rosa – Muitíssimas. Cresci na ditadura de Franco, em um mundo tremendamente sexista e em uma família muito machista. Tive que romper com tudo.
Donna ZH – Com o que foi preciso romper em sua família?
Rosa – Trata-se mais de uma maneira de viver ou uma maneira de ser, que te leva a enfrentar teu pai aos 15 anos e rechaçar o papel feminino tradicional, e a partir daí tentar simplesmente fazer sua vida e ser dona dela, o que implicou, por exemplo, fazer teatro independente ou sair da casa dos pais para viver sozinha quando nenhuma mulher fazia isso na Espanha, ou viver em comuna, ou fazer campanha pública pelo aborto culpando-me ante o juiz para conseguir a lei da descriminalização do aborto, ou estar contra o casamento e viver sem casar com diferentes homens, ou decidir não ter filhos ou... São muitas coisas, e, por outra parte, é uma vida absolutamente normal, uma vida de uma mulher do meu tempo. Só que, quando era adolescente, não era normal ser assim.
Que brasileiras se afastam hoje das normas? Há convenções a enfrentar no século 21? O livro Histórias de Mulheres, de Rosa Montero, que elenca figuras que viveram à margem das regras de sua época, desafia o leitor a pensar quem de seu tempo, de seu país, poderia figurar nesta lista. Mais: pensar o sentido de uma nova lista como essa nos anos 2000.
Donna ZH endereçou o desafio a três pensadoras contemporâneas: a filósofa e poeta Viviane Mosé, que descomplicou a filosofia no quadro Ser ou Não Ser do Fantástico, a antropóloga Mirian Goldenberg, autora de De Perto Ninguém é Normal, e a psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins, que recém lançou, em parceria com Flávio Braga, Amor a Três, sobre relacionamentos além das convenções sociais.
Mirian hesitou quando soube que deveria indicar uma brasileira viva.– Você já sabe quem eu diria, né? – brincou ela, que, durante a entrevista por telefone, do Rio, recebeu a caixa com a reedição de um dos seus livros, Toda Mulher É Meio Leila Diniz. – Depois dos anos 1960, não há mais o que contestar. Agora há o culto à beleza, ao consumo... Quem questiona esse culto já faz algo de bom.Viviane Mosé foi ainda mais incisiva. Depois de tantas quebras de tabu, seria a hora de repensar os excessos contestatórios do passado:
– Fui criada para não me casar, para adiar a hora de ter filhos... E isso é muito opressor. Por que mulheres não podem casar, ter filhos, serem femininas? A mulher está se tornando autoritária de tanta liberdade que quer ter.
Para Viviane, o momento é de as mulheres buscarem uma trajetória própria e se juntarem aos homens para construir novos valores para toda a sociedade.
Como diz Regina: nunca foi tão fácil cada um viver à sua maneira. Bastaria romper com modelos ultrapassados, perceber as próprias singularidades e experimentar.
Ao fim, cada pensadora trilhou um caminho: Mírian destacou duas mulheres que considera exemplares (não exatamente contestadoras), Regina escolheu uma anônima que vive um amor a seu modo e Viviane justificou por que não indica ninguém como modelo.
Donna ZH – No livro, cada mulher é apresentada a partir de uma característica reveladora. Como construiu esses personagens reais?
Rosa Montero – A verdade é que trabalhei estas personagens da mesma maneira com que trabalho meus personagens narrativos, tentando meter-me dentro de suas cabeças, tentando viver aí, em suas vidas, e entender como eram, o que sentiam e o que pensavam. A única diferença é que nas novelas se tem toda a liberdade para inventar o personagem, e, no caso das biografias, fui respeitosa com todos os dados reais. Primeiro documentava exaustivamente e depois tentava entender, a partir de dentro, como se sentiria alguém que tinha aquela vida.
Donna ZH – A senhora revela nuanças pouco conhecidas mesmo de figuras sobre quem tanto já foi escrito, como Simone de Beauvoir e Agatha Christie. Nesse processo de imersão, qual dessas mulheres mais lhe surpreendeu?
Rosa – Todas me parecem enormemente surpreendentes, por isso as coloquei no livro. São histórias fascinantes. Como gosto muito de ler biografias, já sabia que, na maioria das vezes, a imagem pública que se tem de alguém é um tópico e não corresponde à realidade. Assim, creio que por isso não me surpreenderam tanto essas duas que mencionas. Me fascinaram as histórias mais estranhas, como, por exemplo, Laura Riding ou María Lejárraga (respectivamente, a poeta e crítica literária americana e a mulher de um dos mais famosos dramaturgos espanhóis, Gregório Martínez Sierra, que teria sido a autora da obra que leva o nome dele). As duas têm vidas alucinantes e completamente extravagantes.
Donna ZH – Todas as mulheres de seu livro morreram há décadas. Foi uma escolha consciente?Rosa – Sim, fiz de propósito. Quis falar de mulheres já mortas, porque assim a aventura da vida estaria completa e porque creio que todas elas tiveram que enfrentar situações de sexismo infinitamente piores do que há hoje. Algumas delas foram pioneiras, e todas fizeram o que puderam em um mundo muito estreito. Mas, de toda maneira, o livro não é uma coleção de histórias exemplares, minhas mulheres não são todas estupendas – algumas são malvadíssimas e repugnantes como pessoa, como a mãe assassina de Hildegart (Aurora Rodríguez, que matou a tiros a filha escritora, aos 18 anos). Creio que hoje a situação melhorou muito, mas ainda há sexismo entre homens e mulheres.
Donna ZH – Há alguma mulher viva sobre quem a senhora ainda gostaria de escrever?Rosa – Não sou nada mitómana. Admiro pessoas anônimas. Por exemplo, a minha assistente, que aprendeu a ler e escrever aos 50 anos e é uma mulher maravilhosa.
Donna ZH - Que normas as mulheres do século 21 ainda precisam enfrentar?Rosa – Estamos ainda desconstruindo os papéis sexuais, tanto masculinos quanto femininos. Nos anos 1960, depois da pílula, as mulheres acreditavam que era “feminista” e “revolucionário” desdenhar a maternidade, considerá-la um defeito, uma desvantagem. Foi uma etapa de contaminação “machista”, porque a maternidade não é defeito nem desvantagem, mas uma potência maravilhosa, algo poderoso. Não quero dizer que todas as mulheres tenham que ser mães (não sou e nunca quis ser), mas que tivemos que aprender a valorizar nosso próprio ser, porque nos víamos (e ainda nos vemos, em algumas ocasiões) pela perspectiva dominante masculina. Há um caminho a percorrer, tanto para os homens quanto para as mulheres. A chave essencial da liberação das mulheres passa por assumir e respeitar seu próprio desejo e não o dos demais.
Donna ZH - Que mudanças estão sendo motivadas pelos homens? No Brasil, por exemplo, acaba de entrar em vigor a lei da guarda compartilhada, uma conquista de pais separados.
Rosa – A educação compartilhada parece uma conquista para todos. É parte desta desconstrução do sexismo. Se a sociedade mudou tanto no último século é porque os homens mudaram, ou seria impossível. Há até pouco tempo, eles não tinham começado a refletir sobre sua condição, sobre o estereótipo masculino, que escraviza tanto quanto o feminino. Na última década, começou a surgir um pensamento masculino crítico ao papel tradicional do homem, rechaçando o homem sem sentimentos, focado só no trabalho, competitivo... Isso é libertador para todos.
Donna ZH – Que normas a senhora contestou em sua própria vida?
Rosa – Muitíssimas. Cresci na ditadura de Franco, em um mundo tremendamente sexista e em uma família muito machista. Tive que romper com tudo.
Donna ZH – Com o que foi preciso romper em sua família?
Rosa – Trata-se mais de uma maneira de viver ou uma maneira de ser, que te leva a enfrentar teu pai aos 15 anos e rechaçar o papel feminino tradicional, e a partir daí tentar simplesmente fazer sua vida e ser dona dela, o que implicou, por exemplo, fazer teatro independente ou sair da casa dos pais para viver sozinha quando nenhuma mulher fazia isso na Espanha, ou viver em comuna, ou fazer campanha pública pelo aborto culpando-me ante o juiz para conseguir a lei da descriminalização do aborto, ou estar contra o casamento e viver sem casar com diferentes homens, ou decidir não ter filhos ou... São muitas coisas, e, por outra parte, é uma vida absolutamente normal, uma vida de uma mulher do meu tempo. Só que, quando era adolescente, não era normal ser assim.
Que brasileiras se afastam hoje das normas? Há convenções a enfrentar no século 21? O livro Histórias de Mulheres, de Rosa Montero, que elenca figuras que viveram à margem das regras de sua época, desafia o leitor a pensar quem de seu tempo, de seu país, poderia figurar nesta lista. Mais: pensar o sentido de uma nova lista como essa nos anos 2000.
Donna ZH endereçou o desafio a três pensadoras contemporâneas: a filósofa e poeta Viviane Mosé, que descomplicou a filosofia no quadro Ser ou Não Ser do Fantástico, a antropóloga Mirian Goldenberg, autora de De Perto Ninguém é Normal, e a psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins, que recém lançou, em parceria com Flávio Braga, Amor a Três, sobre relacionamentos além das convenções sociais.
Mirian hesitou quando soube que deveria indicar uma brasileira viva.– Você já sabe quem eu diria, né? – brincou ela, que, durante a entrevista por telefone, do Rio, recebeu a caixa com a reedição de um dos seus livros, Toda Mulher É Meio Leila Diniz. – Depois dos anos 1960, não há mais o que contestar. Agora há o culto à beleza, ao consumo... Quem questiona esse culto já faz algo de bom.Viviane Mosé foi ainda mais incisiva. Depois de tantas quebras de tabu, seria a hora de repensar os excessos contestatórios do passado:
– Fui criada para não me casar, para adiar a hora de ter filhos... E isso é muito opressor. Por que mulheres não podem casar, ter filhos, serem femininas? A mulher está se tornando autoritária de tanta liberdade que quer ter.
Para Viviane, o momento é de as mulheres buscarem uma trajetória própria e se juntarem aos homens para construir novos valores para toda a sociedade.
Como diz Regina: nunca foi tão fácil cada um viver à sua maneira. Bastaria romper com modelos ultrapassados, perceber as próprias singularidades e experimentar.
Ao fim, cada pensadora trilhou um caminho: Mírian destacou duas mulheres que considera exemplares (não exatamente contestadoras), Regina escolheu uma anônima que vive um amor a seu modo e Viviane justificou por que não indica ninguém como modelo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário