23 de jun. de 2008

Mortes esquecidas pelo mundo da moda


Na semana do principal evento de moda do país, um dos maiores especialistas brasileiros em anorexia e bulimia, o psiquiatra da Universidade de São Paulo (USP), Táki Cordás, faz um alerta: a indústria da moda não está cumprindo o que prometeu quando a modelo Ana Carolina Reston morreu, em 2006.

Para o médico, a luta contra os transtornos alimentares foi deixada de lado. A morte da modelo paulista comoveu o Brasil e foi notícia em todo o mundo em novembro de 2006. Aos 21 anos de idade, Ana Carolina, que já havia trabalhado em algumas das principais agências do país, morreu de infecção generalizada após passar mais de um mês internada com insuficiência renal causada pela falta de comida. Ela pesava apenas 40 quilos, muito pouco para os seus 1,72 m de altura. - Quando a menina morreu, todo mundo foi aos jornais para falar. As agências saíram dizendo que mudariam as regras, os eventos prometeram grandes iniciativas. Um ano e meio depois, está tudo a mesma coisa. Não se fala mais nisso. Esses programas de prevenção anunciados na época só serviram para fazer uma cortina de fumaça após a morte da modelo. Hoje, as meninas continuam morrendo - alerta Cordás, responsável pelo Ambulim (Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares) do Hospital das Clínicas de São Paulo – considerado o maior centro do tipo na América Latina.


SPFW

Desde a morte de Ana Carolina, a organização do São Paulo Fashion Week criou um programa de prevenção a transtornos alimentares, que já ofereceu palestras a modelos feitas por membros do próprio Ambulim. Segundo a coordenadora do projeto, Bell Kranz, desde janeiro de 2007, o SPFW proíbe menores de 16 anos de desfilar e exige um atestado médico para todas as modelos que participam do evento. Na mesma época, a semana da moda de São Paulo distribui entre as modelos uma cartilha sobre o assunto.- É um material que ensina as meninas que é preciso manter a saúde e se alimentar direito. Quer emagrecer? Pode, mas com saúde, comendo direito. A cartilha dá dicas voltadas especialmente para elas, que têm um dia-a-dia muito atribulado. Ensina como comer quando está trabalhando 20 horas seguidas, por exemplo - explicou Bell Kranz. Versões alternativas da cartilha foram lançadas nas edições seguintes do SPFW. Em junho de 2007, foi feita uma versão para os pais das modelos, ensinando como ficar de olho na saúde das filhas.


- Muitas meninas moram muito longe de casa, sozinhas. Mostramos para os pais como fazer para garantir que elas estão se alimentando direito, mesmo tão distantes - afirma Bell. A cartilha desta edição, ainda não lançada, será voltada aos professores de educação infantil.- Os transtornos alimentares estão se espalhando como um todo. Os casos estão aumentando em crianças e em mulheres acima dos 40 anos – coisa que não se via no passado. E estão crescendo também entre os homens - explica o médico. Casos de anorexia aumentam entre homens.

O Ambulim inaugurou neste ano uma ala exclusiva para o tratamento de pacientes do sexo masculino. A decisão foi tomada após os especialistas do centro detectarem um aumento significativo de casos de anorexia, bulimia e compulsão alimentar em homens.


- De 1992 até 2007, atendemos cerca de 1900 meninas e três rapazes. Apenas em 2008 já foram 20 rapazes - revelou com Táki Cordás. É preciso levar em conta que os homens podem estar se conscientizando mais sobre o problema e buscando ajuda, em vez de manterem a doença escondida. Por outro lado, Cordás afirma que há, sim, um aumento considerável no número de casos masculinos. O médico acredita que o aumento no número de homens bulímicos e anoréxicos tem a ver com uma mudança no padrão estético.


- Antigamente os homens mais másculos, mais fortes eram considerados os mais bonitos. Hoje está crescendo um padrão andrógino, assexuado, magro demais. Basta folhear uma revista de moda e observar os modelos masculinos - diz ele.Os transtornos alimentares sempre fizeram suas maiores vítimas entre as mulheres – mais de 90% dos pacientes com anorexia e bulimia são do sexo feminino. Os homens costumam aparecer mais nos casos de compulsão alimentar, com cerca de 30% dos casos.


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