15 de mar. de 2007
Natural e sem retoques
Gente, fui modestamente capa do Estadão deste domingo! A matéria sobre beleza real, abre os olhos de muita gente...
Segue texto:
Manequim Real
A brasileira tem a mistura de raças no seu DNA, o que significa formas generosas, por mais que ela tente negá-las
Vera Fiori
SÃO PAULO - Vai longe o tempo em que as mulheres invejavam as divas do cinema com formas exuberantes. Nos dias de hoje, as belas Claudia Cardinale, Sophia Loren, Marilyn Monroe e Anita Ekberg estariam mais para obesas do que para boazudas. Em busca de um padrão de beleza inalcançável, a mulher do século 21 é presa fácil dos estereótipos ditados pela mídia, que preconiza as medidas de tops como passaporte para a felicidade, amor, sucesso e aprovação social. A insatisfação não é só com o peso, mas também com o rosto, cabelos, seios, etc. Como aponta o psicólogo Marco Antonio de Tommaso, tendo em mente um rosto e corpo idealizados, principalmente as mais jovens entram em conflito com o espelho. “É comum ouvir no consultório que preferem ganhar uma cirurgia plástica do que um carro. A extração das costelas para afinar a cintura é um exemplo dos exageros da negação do próprio corpo e da baixa estima.”
Segundo a historiadora Mary Del Priore, a forma física é um assunto que rende desde o Descobrimento. “Já na carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, há passagem comentando que as índias brasileiras eram cheias.” Vale lembrar o vaivém dos padrões estéticos na história, de formas femininas que lembravam tábuas - como na época medieval - às rechonchudas do Renascimento. Mais à frente, no século 19, a magreza era associada à doença e à feiúra. “Manuel Bandeira e Gilberto Freyre faziam referências à mulher de ancas largas como sinônimo de beleza, riqueza, abundância e fecundidade.”
Nos anos 40 e 50, as atrizes do teatro rebolado celebrizavam a mulher violão com seios fartos e coxas grossas. Nos anos 70, a emancipação feminina redesenharia os corpos. “Com o advento da pílula anticoncepcional, a entrada da mulher no mercado de trabalho e o culto ao corpo, as formas sensuais desapareceram e os quadris, diminuíram, surgindo a androginização das formas.”
Na atualidade, o modelo que predomina nas elites é o da mulher estilo Barbie: invariavelmente loira, com silicone, botox e muitas plásticas. “Imagine o que significa para uma favelada esse padrão, que nada tem a ver com a nossa mestiçagem”, exclama a historiadora.
Além da mídia, que consolida o estereótipo, outras razões levam a mulher a rejeitar a sua natureza. “É como se negássemos nossa identidade. Mas ao não desejar o padrão de nossas avós, associado à submissão, a mulher cai numa outra armadilha, que é a de se deixar escravizar pelo bisturi, tintura de cabelo e academias.” Na opinião da historiadora, o individualismo abriu espaço para a importância exagerada que a mulher vem dando à aparência, e faz um paralelo: “nos anos 80 havia movimentos feministas em prol de creches, por exemplo. Isso desapareceu e hoje a mulher pensa no próprio umbigo.”
Insatisfeitas com o que Deus lhes deu, segundo a pesquisa Real Beleza, de Dove, 19% das brasileiras associam a auto-estima à beleza; 90% querem mudar algo no corpo e 55% dizem que é difícil se sentirem bonitas quando confrontadas com os atuais padrões estéticos - como ter quadril de, no máximo, 90 centímetros, segundo regem as passarelas.
Vale lembrar que, na ânsia de perder peso, muitas fazem regime por conta própria, às vezes sem necessidade, colocando a saúde em risco. Segundo a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), o Brasil consome quase 90% das drogas para emagrecimento no mundo, o que representa 30 toneladas de anfetaminas por ano.
A discussão sobre a anorexia vem sendo tema de debates no meio fashion. No último São Paulo Fashion Week foram distribuídas cartilhas, que alertavam para a importância de uma alimentação equilibrada. Porém, de acordo com o psicólogo Marco Antonio de Tommaso, não basta chamar a atenção apenas das modelos e suas famílias. “Os estilistas, rígidos com os padrões das passarelas, foram poupados da discussão. As medidas impossíveis são uma exceção genética, e contribuíram para gerar comportamentos drásticos, como os distúrbios alimentares.” Na opinião do médico, o ideal seria a realização de um fórum interdisciplinar, no qual entrariam profissionais de saúde, educação, moda, entre outros.
Flashes nas Formas
Em 1997, a fotógrafa baiana Alice Ramos sacudiu Salvador com a exposição Redondamente Enganado, da qual participaram mulheres acima de 70 quilos, nuas, numa época em que o Photoshop (programa de computador que faz uma “plástica” nas imagens) não era usual. Com 1,59 metro de altura, 78 quilos e uma simpatia contagiante, Alice não quis fazer um manifesto ou crítica aos padrões vigentes, mas, sim, mostrar a sua visão de beleza das gordinhas. Convencer as modelos a posar para as fotos foi difícil.
- No carnaval, saí pelas ruas distribuindo panfletos, anunciando que procurava modelos para umas fotos. Vi uma menina bonita, cheinha, de top e short agarrado, e entreguei o papel para ela. O sorriso foi sumindo e, indignada, ela amassou o papel e disse: você está me chamando de gorda? O jeito foi espalhar cartazes nas docerias e salões de beleza. Deu certo e o casting com as candidatas foi lá em casa, com rodadas de brigadeiros e refrigerantes. Quando viram o resultado, gostaram e passaram a se ver de outra forma, e ainda choveram admiradores.
Alice conta que sofreu muito na fase da adolescência. “Até aceitar o meu corpo fiz dietas malucas. Mas depois desencanei. Não acho que todos os homens só querem mulheres saradas. A beleza interior também seduz”, fala ela.
Alto-Astral na Telinha
Filha de miss e pai atleta, a apresentadora Mauren Motta, a nossa garota da capa, conta que adora cozinhar, inventar pratos diferentes e receber os amigos. “Ir a um restaurante bacana e só comer alface, particularmente, acho um tédio”, brinca a loira, que já teve um programa no canal pago Multishow e participações no Fantástico. Com estilo e curvas generosas, a loirinha gaúcha já desfilou para a marca Zapping e arrasou na passarela. “Se eu tivesse nascido na Renascença, seria considerada uma deusa!” Sobre preconceito, ela diz:
-- Ser apresentadora nunca foi um objetivo na minha vida. Aconteceu e adoro o que faço. Acho que essa paixão incomoda. Quando temos prazer no que fazemos sempre há alguém que te acha feliz demais. Aí ter excesso de peso é o de menos. O que algumas pessoas não aceitam é essa felicidade, e não só o corpo fora de padrão. É uma espécie de inveja e preconceito. Devem pensar que, por ser gorda, você não tem direito de estar onde está. Mas também sei que não é um privilégio só meu. A exposição na TV nos torna vulneráveis às críticas, e aí independe da forma física. Ninguém sai ileso. Se é loira, rica e famosa taxam de burra. Se é magra, gostosa e famosa, é porque saiu com alguém. E aí vai...
Abordando a questão da diversidade, em breve Mauren deve estrear na TV o programa feminino De Dentro para Fora. “Queremos mostrar o quanto as mulheres podem ser belas além do manequim 38 e independentemente da cor do cabelo ou tipo de pele, desmistificando padrões pré-estabelecidos. A idéia é discutir uma nova plataforma para a auto-estima, mas sem perder a leveza e o humor”, adianta Mauren, que tem um site e um blog com o seu nome.
Saúde é o que interessa
Nem sempre em paz com a balança, a empresária Paula Lima de Azevedo, dona da fábrica de chocolates Sweet Brazil, fez em janeiro até promessa para não cair em tentação com seus deliciosos bombons. Morena, cabelos cacheados e com 1,72 metro de altura, ela conta que faz regime desde os 9 anos, a ponto de já ter desmaiado. “Aquela velha história, diziam: ela é tão bonita de rosto... A pessoa pode ser deficiente física, mas gorda, não.”
Paula conta que ficou pasma com a declaração de um rapaz na MTV que, ao se apresentar no programa, dizia que não era cheinho, como se a forma física fosse atributo de caráter. “Acho que falta respeito ao ser humano. Ninguém é gordo porque quer.” Aos 45 anos, se diz cansada do engorda-emagrece. “Cheguei a perder 20 quilos, corria duas vezes ao dia e consegui manter a forma por cinco anos. Mas tem uma hora em que você chuta o balde. Hoje minha maior preocupação em relação ao controle do peso é com a saúde.”
Moda inclusiva
Com ações isoladas e tímidas - ao contrário das passarelas internacionais, onde os estilistas Jean-Paul Gautier e Galliano costumam colocar pessoas comuns para desfilar suas roupas - tremula uma luz no fim do túnel fashion. Numa tacada ousada, a estilista Karla Girotto lançou no ano passado, durante o São Paulo Fashion Week, a linha De Verdade, voltada para pessoas que vão além do famigerado manequim 38 das passarelas. A inspiração veio da mãe de uma amiga, publicitária, com senso estético apurado, órfã de roupas que se encaixassem no seu temperamento de vanguarda. Hoje, a estilista desenha peças fashion, que vestem bem as cheinhas assumidas.
Se encontrar roupas estilosas já é complicado, o que dizer de lingerie? Foi a partir da experiência pessoal que a empresária Cassia Bufolin - que mede 1,60 metro de altura e tem manequim 48 - resolveu investir no segmento de lingerie sexy. Ela é dona da grife Rechonchée, na Vila Madalena, que atende numerações grandes. “As clientes falam que, antes da loja, se sentiam excluídas. Uma delas até comentou que não precisa mais usar calcinhas que se parecem com coador de café.” Calcinhas, sutiãs, espartilhos e camisolas sensuais recheiam as prateleiras da loja, que tem até um provador especialmente projetado, com dimensões maiores e ar-condicionado.
A corrida ao corpo perfeito gera lucros e, quanto mais insatisfeita a mulher, melhor para a indústria do emagrecimento. Uma crítica contundente ao padrão anoréxico veio de um homem, o maestro carioca Jorge Antunes. Em artigo intitulado Moda, Anorexia e Bobas da Corte, ele diz:
As bobas de corte e costura, enfim, são como os antigos bobos da corte: têm que se degradar, se desfigurar, se entregando ao aviltamento corporal, para deleite da alta burguesia e das classes dirigentes.
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